Portugal encontra-se num momento difícil da sua história. A imposição ao País de um vasto plano de austeridade, imposto pela Troika de financiadores abala toda a estrutura do Estado, mas também, e sobretudo, abala as estruturas sociais. Impuseram-nos não apenas a austeridade, mas mais que isso a ablação da Democracia e da Soberania, em termos tais que está em causa, para além das conquistas sociais, a própria dimensão simbólica das manifestações do Estado, tudo a coberto de um estado de excepção.
Refiro-me, claro está, à ignóbil
Lei da RATA (reorganização administrativa territorial autárquica), que com
critério cego, e quase exclusivamente matemático, impõe uma drástica redução de
freguesias. Muitos julgam, por ventura, que as freguesias não fazem falta. Que
são entes menores ou dispensáveis. Outros, alinham pelo discurso da
inevitabilidade, ou do estado de excepção e assim se conformam.
As freguesias, enquanto entidade
local, são a mais ancestral manifestação natural de organização social e
humana. Nasceram, naturalmente, da necessidade de resolução de problemas comuns
e não emanam do Estado. Antes são transcendentes à própria realidade
constitucional: existem para além dela. E têm, inevitavelmente uma natureza de
representação dos interesses locais junto de outras instâncias, como sejam o
município ou a administração central. Mas as freguesias também encerram a
dimensão simbólica da identidade e democracia local.
Muitos afastam esta dimensão
natural das freguesias por oportunismo de momento. Outros porque perfilam de
uma concepção totalitarista, autoritária e positivista, bem encarnada no
centralismo democrático ou nos ensinamentos do Professor Marcello Caetano…
Tal como as freguesias, muitos
dos tribunais existentes estão ameaçados de extinção: só em Viseu são 9, e em
Lafões 2 dos 3 existentes (apenas sobrevive o de S. Pedro do Sul por uma “unha
negra” de 13 processos). Para além do indesejável distanciamento da justiça
relativamente aos cidadãos, os tribunais têm uma dimensão simbólica para as
populações que deles se servem, bem patente nas muitas comemorações e
referências históricas á criação e restauração de comarcas, quase sempre
precedidas de lutas populares!
Durante o século XIX, e a
pretexto de dificuldades orçamentais, também se ensaiou uma extinção massiva de
freguesias, que redundou na célebre revolta da “Janeirinha”, fazendo cair o
Governo e levando ao poder, entre outros, o notável Bispo de Viseu, D. António
Alves Martins. O mesmo relativamente a várias extinções de Tribunais, cujo
sucesso foi efémero.
Ao Presidente da República,
Governo e Assembleia da República, lembro as experiências do século XIX, para
que atentem na dimensão identitária e simbólica da realidade das freguesias e
dos tribunais.
Aos políticos locais, rogo que
sejam determinados, abandonando definitivamente essa espécie de limbo ou de
esquizofrenia em que se encontram, divididos entre a fidelidade (e até eventual
concordância) com os programas partidários nacionais que legitimam estas
medidas e a lealdade (ou porventura calculada prudência) relativamente às
populações que representam.
Ao Povo, lembro que sufragaram,
por larga maioria as alegadamente inevitáveis medidas da Troika, votando no
PSD, CDS e PS, que claramente definiram a aplicação destas medidas, em
abstracto. E que por esse facto, são também os eleitores responsáveis pela
aplicação destas medidas. A cidadania, que podem e devem exercer no combate a
estas medidas comporta, também, uma dimensão de responsabilidade individual,
que não pode ser apagada por discursos paternalistas proclamando que o Povo foi
enganado. É reduzir as populações a uma dimensão infantil, que deforma a
cidadania. A conquista e manutenção de Direitos depende, essencialmente da
nossa determinação enquanto Povo!
A dimensão simbólica tem muitas
expressões. Em tempo de Euro 2012, elas estão bem patentes nas manifestações à
Selecção Nacional. Mas não se esgotam aqui. Encontram-se também, em diferentes
escalas, nas freguesias e nos tribunais, que sustentam identidades e laços
comunitários sedimentados no tempo.
Por aqui, em Lafões, amamos a
liberdade que encerra a autonomia local, e no respeito por ela e pela Carta
Europeia da Autonomia Local, encontra-se proposto às Assembleias Municipais de
S. Pedro do Sul e de Vouzela um referendo local sobre a extinção de freguesias.
Depois de votado, veremos quem tem medo da consulta popular, e quem está
disposto a lutar, também, por essa dimensão simbólica!
Todos devemos lutar pela
sobrevivência das nossas comunidades. Elas são inalienáveis!
Rui Costa
Sem comentários:
Enviar um comentário