sábado, 14 de janeiro de 2012

Relatório das Jornadas Autárquicas 2011 e dos Debates sobre o "Documento Verde"

As Jornadas Autárquicas 2011, realizadas a 26 de Novembro, na Escola Secundária de Cacilhas, decorreram sob o lema “Reorganização Territorial – Democracia local” e tiveram como tema dominante a Reforma Administrativa. Nelas participaram 102 autarcas ou activistas locais, dos seguintes distritos ou regiões:
Setúbal - 37; Lisboa - 23; Porto - 6; Santarém - 6; Beja - 6; Braga - 5; Leiria - 4; Portalegre - 4; Açores - 2; Bragança - 2; Vila Real - 2; Viseu - 2; Coimbra - 2; Algarve - 1.

Antes da sessão plenária, em Almada, tiveram lugar encontros e debates preparatórios em diversas regiões: Lisboa, Porto, Setúbal, Alentejo (Beja, Évora e Portalegre), Santarém, Braga, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu; em Coimbra houve uma reunião de autarcas posterior às Jornadas, já em 10 de Dezembro. Globalmente, estes encontros reuniram cerca de duas centenas de autarcas.

Têm-se sucedido e vão-se intensificar os debates públicos sobre este tema, organizados por órgãos autárquicos ou pela comunicação social local e nos quais temos cruzado argumentos com alguns dos principais mentores dos projectos do PSD (Carlos Abreu Amorim) e do PS (José Junqueiro) e com o PCP. Estivemos representados no Congresso da ANAFRE em Portimão. Em 15 de Outubro entregámos um Memorando à Comissão Política. É necessária e urgente a clarificação política do Bloco e a sua tradução em projectos legislativos, para influenciarmos a discussão pública que se vai intensificar no primeiro trimestre de 2012, combatendo as tentativas de a abafar, sob o rolo compressor da troika PSD – PS – CDS.

Eis, em síntese, as principais conclusões das Jornadas e algumas pistas para a acção:

Eixo 1 – Sector Empresarial Local - SEL

Defendemos uma redução radical do actual número de entidades que compõem o SEL, por absorção nos serviços camarários ou fusão, acautelando os direitos dos trabalhadores e o princípio da autonomia local. Sugerimos se retome e aprofunde o ante-projecto de Lei que não chegou a ser apresentado na anterior legislatura e preconizava a extinção das empresas com prejuízos sucessivos e cujas contas não estivessem consolidadas pelos municípios.

Em relação às EM’s que subsistam, devemos defender o aumento de competências das
Assembleias Municipais quanto ao SEL, designadamente na aprovação dos respectivos planos e contas, aumentando desta forma o controlo democrático sobre o seu funcionamento.

Eixo 2 – Extinção e fusão de Freguesias ou Municípios

Em matéria de reorganização territorial, o Governo limita-se a tratar por agora das freguesias e remete (por agora) os municípios para fusões voluntárias, o que não responde sequer ao objectivo enunciado, pois as 4259 freguesias representam apenas 0,108 % da despesa do OE 2012.

A proposta do Governo não faz qualquer sentido, nem em termos económicos, nem territoriais. Os critérios para o abatimento de freguesias reduzem-se a duas dimensões: a do número de habitantes e a da distância à sede do município. Ora as freguesias são muito mais do que isso, pela proximidade com as populações e pela representação política, com particular importância nas periferias urbanas e nas áreas do interior.

Depois do encerramento da escola, do posto médico, dos correios e até da GNR, a Junta de Freguesia resta como único elemento simbólico da presença do Estado – e também material, pois funciona como balcão de serviços, nomeadamente na área social. Defendemos uma reorganização do mapa territorial que inclua a definição do mapa dos serviços públicos, com coerência e respeito pelos princípios democráticos.

A TECNOCRACIA (incompetente, como tem ficado demonstrado em muitos debates) nunca pode sobrepor-se à DEMOCRACIA. Em qualquer circunstância, a extinção, fusão ou agregação de freguesias/municípios), além do parecer positivo do respectivo órgão deliberativo – Assembleia de Freguesia/Municipal – terá de ser confirmada por referendo local, segundo o princípio: O POVO É QUEM MAIS ORDENA!

O referendo não é a receita para cada caso concreto, mas unifica e dá coerência ao nosso posicionamento, demarcando-se quer do imobilismo absoluto, quer do centralismo que se quer impor de cima para baixo.

Eixo 3 – Gestão Municipal Intermunicipal e Financiamento

O objectivo não escrito deste eixo, afirmado por Miguel Relvas já quando era Secretário de Estado da Administração Local de Durão Barroso, é “o enterro definitivo da regionalização” – a peça basilar e o elo que falta para uma reforma administrativa do território coerente e descentralizadora. E a crise não retira qualquer fundamento à necessidade de um processo de regionalização. Antes pelo contrário, confere-lhe ainda maior urgência, já que, pelo princípio da subsidiariedade, racionaliza a despesa/investimento e aprofunda a democracia.

Segundo o Documento Verde, o governo pretende atribuir às associações de municípios de direito público, quer às Comunidades Intermunicipais, quer às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, um quadro alargado de atribuições e competências, mas é omisso em relação ao financiamento. As CIM e as Áreas Metropolitanas continuarão a ser meros fóruns intermunicipais, onde cada autarca pensa no seu quintal e nenhum se sente legitimado ou responsabilizado para assumir uma visão integradora do desenvolvimento regional. Não aceitamos a ilusão, que o governo quer criar, de que a descentralização e regionalização democráticas podem ser feitas sem a eleição directa dos órgãos.

A demagogia do governo sobre o “aprofundamento da legitimidade e do controlo democrático” pode abrir algumas brechas a explorar, em particular nas Áreas Metropolitanas, que há muito reclamam a eleição directa dos órgãos. Esta possibilidade, ainda que remota no actual quadro político, criaria um precedente incontornável para o avanço da regionalização.

Eixo 4 – Democracia Local

Esta é a matéria mais controversa, sobretudo no que concerne às leis eleitorais, face à qual é necessário assumir orientações políticas claras.

Em todos os debates ficou claro que o acordo PS-PSD para a alteração da lei eleitoral autárquica não representa nenhum tipo de aprofundamento da democracia local, ao contrário do que título deste eixo sugere. O objectivo é apenas o de reforçar o bipartidarismo e impor os executivos monocolores, reduzindo a drasticamente a proporcionalidade e o número de eleitos locais.

Nos encontros regionais e nas Jornadas perpassou um sentimento generalizado de valorização dos órgãos deliberativos, nomeadamente das Assembleias Municipais e de Freguesia, até hoje subalternizadas pelos executivos e submetidas, tal como estes, à canga do presidencialismo. Na própria Câmara, os vereadores com pelouro exercem meras competências delegadas pelo Presidente e só com autorização deste podem falar perante a Assembleia Municipal.

Ora as alterações propostas pelo PS e PSD só agravam o presidencialismo, reduzindo a vereação a um mero “gabinete do Presidente”, escolhido por este. O afastamento dos vereadores da oposição (normalmente sem pelouro) fomentará mais opacidade no processo decisório, sem real controlo do órgão deliberativo, que reúne muito espaçadamente e sem condições para uma fiscalização eficaz da acção do executivo.

Não passam de votos piedosos (e hipócritas) as passagens do Documento Verde que pregam “ o reforço dos poderes de fiscalização da Assembleia Municipal sobre o Executivo” e ponderam “um reajustamento das actuais competências das Instituições Autárquicas Municipais, acentuando a importância da Assembleia Municipal enquanto órgão deliberativo”, sem nada de concreto adiantarem. Perante este cenário, temos de optar entre duas tácticas possíveis quanto às propostas de lei eleitoral autárquica.

1 – Ou defendemos o actual sistema, com a eleição directa dos membros do executivo e mantendo a dupla legitimidade democrática da Câmara e da Assembleia Municipal, muitas vezes conflituante, e que tem estado na base da subalternização do órgão deliberativo.

2 – Ou “damos a volta” à proposta de eleição de um único órgão municipal no sentido do aprofundamento da democracia local e acentuamos a dependência do executivo perante a Assembleia Municipal, a que terão de ser atribuídas novas competências de plena fiscalização dos actos do executivo, incluindo poderes efectivos para o eleger e demitir.

O nosso projecto deve regular o poder de iniciativa das Assembleias em matéria orçamental e outras; as moções de censura ao executivo provocarão a sua queda ou a realização de eleições antecipadas, depois de esgotadas as possibilidades de maiorias políticas no seio da Assembleia Municipal. Esta solução afasta o fantasma dos executivos monocolores, obrigando a acordos de coligação, excepto se o partido vencedor tiver maioria absoluta na Assembleia Municipal.

Em todos os debates realizados e também nas Jornadas, uma larga maioria dos intervenientes defendeu esta segunda solução, com base na sua própria experiência sobre a necessidade de valorização do papel das Assembleias Municipais e de Freguesia.

Segundo o Memorando da Comissão Nacional Autárquica, a Câmara seria eleita no seio da Assembleia Municipal e não teria obrigatoriamente como Presidente o primeiro candidato da lista mais votada, mas sim a lista que reunir a maioria dos votos no seio do órgão deliberativo – para quem gosta de usar “paralelos” com o parlamento, o mesmo pode acontecer se o líder do partido mais votado não conseguir formar uma coligação maioritária.

Esta opção, que recolheu largo apoio nos debates e nas Jornadas, poderá encontrar um óbice no Artigo 239.º, n.º 3 da Constituição. Tal óbice constitucional deve ser esclarecido em sede própria, o que, em nossa opinião não nos deve inibir de apresentar a solução política mais adequada, remetendo esta matéria para uma futura revisão constitucional, se for esse o caso. Até lá, se o Presidente do executivo tiver de ser obrigatoriamente o cabeça de lista mais votado, deveremos reforçar na especialidade a limitação dos seus poderes e os instrumentos de fiscalização da Assembleia Municipal.

Outra matéria controversa é a presença com direito a voto dos Presidentes de Junta de Freguesia, no órgão deliberativo de outro órgão autárquico: a Assembleia Municipal. Como é óbvio, esta presença distorce a proporcionalidade das forças políticas representadas neste órgão pelos eleitos directos, nomeadamente na eleição ou demissão do executivo municipal.

No entanto, esta presença dos Presidentes de Junta na AM é garantida pelo Artigo 251.º da Constituição, pelo que teremos de encontrar uma solução política e constitucional consistente, mesmo referindo a necessidade de alteração em sede de futura revisão constitucional: ou mantendo o direito a voz sem direito a voto, numa versão minimalista, ou restringindo o direito de voto dos Presidentes de Junta em matérias que distorçam a proporcionalidade – a exemplo do que já hoje acontece na eleição das Assembleias Intermunicipais.

A autonomia financeira das freguesias face aos municípios – dos quais dependem, através de múltiplos protocolos de cooperação – não tem sido garantida com a presença dos Presidentes de Junta na Assembleia Municipal. A solução passa pelo aumento substancial dos míseros 0,1% da transferência que hoje recebem directamente do OE.

Independentemente da continuidade ou não da presença dos Presidentes de Junta na AM, a redução do número de membros dos executivos municipais defendida pelos partidos da troika implicaria a diminuição do número de eleitos directos da Assembleia Municipal. Em defesa da proporcionalidade, o nosso projecto deve defender que o número de eleitos directos da AM passe de 3 para 5 vezes o número de membros do Executivo, como aliás acontecia até 1984.

Nas Jornadas Autárquicas e nos debates, além do aperfeiçoamento dos mecanismos da democracia local representativa, foi enfatizada a necessidade do aprofundamento da democracia participativa. E é óbvia a correlação entre ambas: quanto mais opacos os mecanismos de representação, mais obstáculos se erguem à participação cidadã. Actualmente, com executivos dotados de legitimidade própria, os protestos populares contra os desmandos e a corrupção raramente produzem efeitos antes do final do mandato. Com um executivo dependente da Assembleia Municipal, será mais fácil agir contra os caciques que abusem dos seus poderes, violem grosseiramente os compromissos eleitorais ou desrespeitem os interesses dos cidadãos.

Neste sentido, o Bloco deverá apresentar propostas que facilitem o exercício da cidadania, como a regulamentação do direito de petição a nível local, a melhoria dos mecanismos de informação directa (nomeadamente on-line), o direito de expressão das oposições e dos cidadãos nos Boletins Municipais, a generalização e aprofundamento dos processos de Orçamento Participativo, o cumprimento do estatuto do direito de oposição e participação popular, etc.

Juntam-se os links para todos os contributos sobre a reforma administrativa que a Comissão Nacional Autárquica recebeu até hoje.

Dezembro de 2011
Comissão Nacional Autárquica

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