terça-feira, 22 de novembro de 2011

Entrevista de Rui Costa ao jornal regional "Gazeta da Beira" (Temas: funcionamento das autarquias, "Documento Verde", democracia local...)

Rui Costa, 33 anos, natural de S. Pedro do Sul, advogado, é deputado municipal em S. Pedro do Sul onde lidera a bancada do Bloco de Esquerda.
Actualmente exerce as funções de assessor da Assembleia Municipal de Lisboa, integra a Comissão Nacional Autárquica e o Secretariado e Coordenadora Distrital de Viseu do Bloco de Esquerda.

GB – Qual o balanço que faz destes dois anos a liderar a bancada do BE na Assembleia Municipal de S. Pedro do Sul?
RC – Preferia de não falar de liderança. A bancada do BE tem apenas dois eleitos, eu mesmo e o Alberto Claudino, pelo que as decisões e intervenções são partilhadas entre ambos. Foram dois anos de proposição, e não apenas dois anos de oposição. Com excepção da primeira sessão, por motivos óbvios, e a última sessão, em que fizemos um balanço desses dois anos, em todas as sessões apresentámos propostas e levámos temas a debate, agendando mais propostas em algumas reuniões que a própria Câmara Municipal! É bom que se perceba, definitivamente, que a nossa actuação não é de “bota abaixo”, mas sim de iniciativa. Pena é que haja gente, especialmente na bancada do PSD que, ou não estuda os dossiers, ou não tem autonomia política para debater, e por isso muitas propostas sejam chumbadas, por serem apresentadas pelo BE… Ás vezes até pensamos que é uma estratégia do PSD para que desistamos, mas têm azar, porque não desistiremos de propor melhorias para o nosso concelho.

GB - Quais as principais limitações que vê nos poderes e competências da Assembleia Municipal?
RC – A Assembleia Municipal tem, infelizmente, poucas competências legalmente definidas para ser um efectivo centro de poder do Município. A Assembleia Municipal está impedida de alterar orçamentos e planos de actividades, não tem poder de demissão da Câmara Municipal, e a Câmara Municipal tem o monopólio da iniciativa em matéria regulamentar. Por outro lado, as Assembleias Municipais não dispõem de meios e apoio técnico que permitam um correcto e ponderado julgamento das propostas da Câmara Municipal e note-se, há decisões de milhões de euros, tomadas pela Assembleia Municipal! Por último, a maior limitação das Assembleias Municipais reside nos seus membros: com efeito ou alinham pelo “cajado político-partidário”, ou estão de tal forma dependentes de decisões da Câmara Municipal, que são condicionados na sua livre apreciação das propostas! Acresce ainda que houve, na Assembleia Municipal de S. Pedro do Sul, uma espécie de aplicação das leis de hereditariedade de Mendel, verificando-se em algumas bancadas o legado de posições políticas de pais para filhos, ou de irmão para irmão… Estas circunstâncias tornam as Assembleias Municipais, na maioria dos casos, numa caixa de ressonância da maioria instalada na Câmara Municipal, o que as fere de morte enquanto órgão fiscalizador. Por isso, entendo que mais que uma mudança das leis, é fundamental uma mudança de mentalidades nos membros das Assembleias Municipais, para que possam honrar o mandato que lhes é conferido.

GB – Está em discussão a reforma administrativa que prevê a possibilidade de executivos homogéneos. Considera que esse facto, se não forem devidamente reforçadas as competências da Assembleia Municipal, poderá contribuir para diminuir a qualidade da democracia local?
RC – Naturalmente que sim! Actualmente as Câmaras Municipais gozam de uma legitimidade democrática tão grande como as Assembleias Municipais, pois são eleitas por sufrágio universal e directo, pelo método proporcional, assegurando a presença e representação das oposições. Executivos homogéneos deverão dar lugar a uma transferência de competências das Câmaras Municipais para as Assembleias Municipais, atendendo à redução da democraticidade dos executivos. De outra forma é um convite à diminuição da democracia e da transparência na gestão autárquica!

GB – Se avançar o modelo de executivos saídos das assembleias municipais, e não se verificando uma maioria clara, considera que o presidente da Câmara deve ser, em qualquer caso, o cabeça de lista da lista mais votada ou deve resultar de uma maioria encontrada na assembleia municipal?
RC – Atendendo à personalização da gestão municipal na figura do Presidente da Câmara Municipal, seria essa a solução mais consentânea com a compreensão do eleitor da eleição autárquica. No entanto, suponhamos que sendo vencedor uma lista de direita, esta depara com uma maioria de esquerda na Assembleia Municipal: a ingovernabilidade é uma forte possibilidade. Por isso, deveria encontra-se uma solução que facilitasse diálogos e consensos, que faltam em política, especialmente na local. Acresce ainda que a solução avançada na sua questão privilegia, em demasia, a figura do Presidente de Câmara Municipal, cuja excessiva concentração de poderes tem levado a alguns dos maiores escândalos criminais na vida política local.

GB – Que novas competências deverão ser atribuídas à AM face à anunciado fim dos executivos municipais de eleição directa?
RC – Em primeiro lugar, o reforço da responsabilidade política da Câmara Municipal perante a Assembleia Municipal, com o consequente poder de demissão da Câmara pela Assembleia. Em segundo lugar, o fim da reserva de iniciativa da Câmara Municipal na maioria das matérias, dando poderes aos membros para, quando entenderem, proporem regulamentos e outras propostas, bem como alterações aos mesmos. Em terceiro lugar, um reforço das competências da Assembleia Municipal em três matérias: Sector Empresarial Local, que actualmente serve, essencialmente, para fugir às regras de transparência na contratação de pessoal e serviços, em matéria de gestão orçamental e em matéria de licenciamento urbanístico, cuja falta de debate democrático motiva um sentimento de descrédito junto das populações. Por último entendo que a remuneração dos eleitos locais deve ser feita pelas Assembleias Municipais, que as deverão fixar, dentro de limites individuais e totais, para que as maiorias não escudem tais remunerações numa tabela definida por lei.

GB – A verificar-se a saída dos presidentes das Juntas de Freguesia da AM, como deverá ser articulada a sua acção com o executivo municipal? Em que medida deverão ser reforçadas as competências e os orçamentos das freguesias num novo modelo que exclua os seus presidentes da AM?
RC – Toda a gente já percebeu que, no modelo de financiamento actual, as freguesias muito fazem! Queria aqui render a minha homenagem às mulheres e homens que são autarcas de freguesia, pelo esforço e trabalho que desempenham diariamente em prol das suas populações. Aliás, só faz sentido falar em reestruturação do mapa autárquico se se reforçarem as competências e o financiamento das autarquias. De outra forma, esta é uma reforma para inglês, aliás para troika, ver… E essa discussão não está a ser feita! Quanto às relações das freguesias com os executivos municipais, é uma vergonha que possam ser as freguesias beneficiadas com a concordância ou diferença de cor política. Por isso, importa fazer a verdadeira reforma das freguesias, que se prende com o alargamento das suas competências e financiamento.

GB – Há quem considere que a Reforma da Administração Local que está em curso, se vier a concretizar-se, como tudo indica, será um enorme retrocesso na qualidade da democracia local, alegadamente pelo aumento dos poderes dos presidentes de Câmara que, para além das competências reforçadas nos respectivos municípios, passam a ter atribuições ao nível supra-municipal através das Comunidades Inter Municipais (CIM). Partilha destas preocupações?
RC – Parece-me evidente que a proposta do Governo nesta matéria é uma vigarice política. Pretendem, no fundo, regionalizar sem escala, multiplicar centros de decisão (e centros de custo, com um novo funcionalismo e despesas incontroladas) e, pior ainda, retirando o efectivo controlo democrático às populações, na medida em que os órgãos da CIM são compostos por membros inerentes (os Presidentes de Câmara nos órgãos executivos) e membros indirectamente eleitos nos órgãos deliberativos. Desta forma, as populações nem têm noção que as CIM existem, nem avaliam os membros dos seus órgãos pela sua actividade. É a subversão da Democracia Local! Honestamente, prefiro uma regionalização, assente num modelo de 5 ou 8 regiões, com órgãos directamente eleitos e avaliados dessa forma pelos eleitores, em vez de 30 estruturas que decidem, de forma distante da população, como se de um serviço desconhecido e cinzento da Administração Pública, sem que haja essa responsabilização dos seus dirigentes. Por comparação com a regionalização é um modelo despesista e pouco transparente…

GB – Iniciou-se agora o período de discussão pública do PDM de S. Pedro do Sul. Quais os principais pontos críticos aos quais os cidadãos devem dar a maior atenção?
RC – Essa pergunta traz rasteira, porque o meu antecessor neste ciclo de entrevistas, “meteu água” na medida em que não se trata da discussão pública do novo PDM, mas sim de uma alteração pouco substancial do actual regulamento do PDM, com muito pouco impacto prático na vida das populações. Se me agrada algum aligeiramento de normas em benefício das aldeias e das explorações agro-pecuárias, preocupa-me que esta pequena alteração possa agravar as condições de impermeabilização dos solos na cidade, cuja pouca consideração já tem causado problemas de inundações na cidade. Quanto ao novo PDM, ele é uma promessa de todas as forças políticas desde as eleições intercalares de 2000. A sua não concretização neste mandato, será uma clara prova de insucesso e incompetência dos mandatos do PSD e do Dr. António Carlos Figueiredo.

GB – Tendo em conta a importância do PDM enquanto instrumento de planeamento do desenvolvimento do concelho, considera que as metodologias a que a CM recorreu para promover a participação das pessoas são adequadas e suficientes?
RC – Cumpriu com as suas obrigações legais… E mais publicidade não fez porque estou certo que tem vergonha de, ao fim de 11 anos, em matéria de PDM, apenas apresentar este remendo aos Sampedrenses!

(...)

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